segunda-feira, 22 de setembro de 2014

33 ATOS




1o ato: a gente se (re) conhece

2o ato: a gente se encontra
3o ato: a gente se vê
4o ato: a gente ri
5o ato: a gente se entende
6o ato: a gente perde o caminho
7o ato: a gente encontra o caminho
8o ato: vc entra no meu sobretudo
9o ato: a gente amanhece
10o ato: a gente escolhe um filme
11o ato: a gente se conecta (e interage)
12o ato: a gente se encontra
13o ato: a gente come pizza
14o ato: vc fuma na varanda
15o ato: vc entra na minha pele
16o ato:  a gente amanhece
17o ato: a gente toma café (vc sem açúcar)
18o ato: vc escolhe um filme
19o ato: vc fala que eu combino com perfume doce
20o ato: a gente se funde a vida inteira naquela noite
21o ato: a gente fuma na varanda (vc se comove com minha história e me abraça)
22o ato: vc volta pra casa
23o ato: a gente se conecta (vc me inspira)
24o ato: a gente se estranha (e eu me abro contigo)
25o ato: a gente se marca
26o ato: a gente não se encontra
27o ato: a gente se perde 
28o ato: eu recolho os cacos
29o ato: a gente recomeça (vc costura os retalhos)
30o ato: hiato
31o ato: eu verbalizo, vc acena 
32o ato: a gente não se comunica (paranóias)
33o ato: (minhas) entrelinhas (adoro você)

34o não-ato: a gente morre (mentira)




domingo, 7 de setembro de 2014

MARIANA X MARTIN



Essa não é uma história de amor, mas bem que poderia ser.

Martin e Mariana eram absolutamente iguais o bastante para serem completamente diferentes. Eram opostos que se complementavam. Dois lados da mesma moeda. Nunca foram um casal, mas eram a cumplicidade do status quo.

Martin era vegetariano, Mariana destruía nos rodízios de carne da cidade. Mariana era fatídica, noticiosa. Martin era literário, poeta. Mariana odiava poesia porque entendia nada. Aliás, Mariana não entendia como Martin conseguia aprofundar até as coisas mais banais. Martin era Lars Von Trier, Mariana era Tarantino. Enquanto Martin era Da Vinci, Mariana era Dan Brown falando sobre Da Vinci. Blockbuster, óbvia, insegura. Mariana era sucesso de bilheteria, Martin um sucesso de crítica. Martin era uma prova de algoritmo quando Mariana estava completamente bêbada. Seguro e leve. Mariana sempre se perguntava como Martin podia passar por cima de tudo, como se nada tivesse acontecido e começar do zero over and over again? Mariana ruminava os rancores, Martin evaporava todos.

Martin morava com os pais, com os irmãos, os cachorros. Mariana morava sozinha. Não em casa, na cidade. E quando o Martin queria fugir de tudo, era pra casa da Mariana que ele ia. E quando Mariana queria fugir, fugia pra dentro de si. Martin fumava desde os 17 anos. Mariana tentou 3 vezes na vida e nunca conseguiu. Mariana comprou um cinzeiro pro Martin e lavou o terraço só pra vê-lo fumar, achava lindo vê-lo fumar. Martin gostava da companhia dela enquanto fumava e contava umas histórias de pescador, embora fosse o rapaz mais urbano que Mariana conhecesse. Por urbanidade, Martin estava sempre conectado, gostava do jogo de palavras e de ideias. Ou apenas queria uma distância segura. Já Mariana queria se desconectar, gostava mais do jogo de pele e de cheiro e essas coisas todas.

Sobre isso, conheceram-se num desses aplicativos de relacionamento. Mariana era veterana, Martin um marinheiro de primeira viagem. Como era típico de Martin, conversaram uma semana antes de se conhecer e foram para um bar. Mariana pediu um aperitivo de carne, enquanto Martin só observava a moça comer, faminta. Como naquele filme em que Clark Gable observa Marilyn Monroe devorar uma coxa de frango na porta do boteco. Até hoje Mariana não sabe como Martin teve coragem de beijá-la com aquele gosto de carne, cebola e alho. Aliás, Martin a beijou dentro do banheiro masculino e passou a mão nas coxas dela! Mariana se assustou com a intensidade, mas gostou deveras. Foi o melhor beijo do mundo, apesar do gosto de cigarro. Enfim, tava tudo misturado sempre.

Martin foi levar Mariana pra casa e percebeu que havia acabado a bateria do celular. Mariana não sabia chegar em casa sem GPS e seu celular também havia morrido. Martin levou 1h30 pra descobrir a casa da Mariana, aventurando-se numas bocas que levavam a várias Romas. Madrugada adentro, no caminho, entre um semáforo e outro, Mariana se inclinava pra interromper e beijar o Martin. O beijo do Martin era tão bom, tão bom, que Mariana era incapaz de ouvir o que ele tagarelava sobre a vida. E o sorriso do Martin também era o mais bonito do mundo. Tudo em Martin, pra Mariana, era superlativo.

Quando chegaram, Martin pediu café, mas Mariana lhe deu o melhor sexo que sabia fazer. Era ela ali o superlativo e era ali o único momento gêmeo dos dois. Quando amanheceu, Mariana finalmente fez um café sem açúcar pro Martin esperando que, em seguida, ele fosse embora, como todos os outros. Martin quis ficar. Mais que isso: Martin quis ver um filme de 3 horas com a Mariana e acabou ficando o resto do dia. Martin era um Titanic a bordo no meio da cidade grande, não fazia ideia do seu tamanho, atracava em qualquer lugar. Mariana adorou, mas julgou que o rapaz fosse doido e que, certamente, sumiria nas próximas semanas, como todos os outros.

Martin nunca sumiu, mas Mariana nunca conseguiu confiar completamente nele. Era uma colcha de retalhos, uma Tulipa em um copo d'água, uma discípula fiel de Otelo. Tava sempre esperando que ele fosse embora, apesar da sua súplica silenciosa, implorando que ele ficasse. Tudo que queria, no fundo, era apenas relaxar e se divertir.

Até que um dia, finalmente, Martin sumiu. E voltou, como se nada tivesse acontecido. Mas antes disso, sumiu. E pra Mariana foi um sumiço da vida, das vísceras, de tudo. Pra Mariana foi o cortar do cordão umbilical, foi a borboleta virando lagarta e voltando pro casulo. Pra Mariana foi o Martin comendo uma fulana de quatro, de lado, de ponta-cabeça, por dentro, por fora, por trás, mesmo sem manchas de batom no colarinho. Foi o Martin sendo o Martin que ela sempre esperou que fosse, como todos os outros, mesmo sem prova alguma.


E na sua loucura mórbida, na sua convalescência de Casmurro, Mariana fez sua dança sem par, seu luto sem cadáver. Na sua paranóia delirante, Mariana pensou que, pelo menos, ela sempre teve razão.