segunda-feira, 1 de novembro de 2010

ENTRE CAFAJESTES E CANALHAS




Qualquer mulher já esbarrou em um ou n’outro. E sim, há diferenças.  Há esperanças no canalha, já o cafajeste é um mau caráter, um caso perdido. Repare como se pronuncia ca-na-lha. É sexy, instigante. Um secreto pedido de beijo, com todo desaforo que há nas paixões. É como pronunciar de-lí-cia, reparem. Se ela te chamar de ‘canalha’ garanhão, vai que é tua! 
Je t’aime moi non plus.

O canalha é um maravilhoso filho da puta. É o cara que lamenta não se apaixonar. Está cansado da sua reputação. O cafajeste é um porco chauvinista, um escroto de índole aproveitadora. O canalha diz a que veio, o cafajeste jamais virá. O cafajeste não presta nem pra ser canalha. É um desgraçado bom de lábia, que depois te faz chorar Rios Nilos inteiros. Já conheci as duas espécies. São as novas pragas do século XX. Vamos ao que interessa.

Há uns 2 anos eu me apaixonei por um cara que se encaixava nos meus sonhos dourados. Tinha uma mente ácida, vívida, perfeita para marias-cérebros como eu. Na época, ele sonhava em ser assessor político. Falava sobre tudo. Homens que discutem guerras, política, sexo e cinema não aparecem que nem mamão de feira, são como bilhetes premiados. Então, vez em nunca, quando surgem, eu sou toda dedicação. Maaass... paixões avassaladoras costumam nos deixar cegas. E ninguém confere ficha criminal antes de se envolver, né? É fatal e fatídico. Eu achava que era só um canalha, era um tremendo cafajeste.

Eu não sei qualé o seu problema, donzela. Se teu carinha te traiu com tua melhor amiga. Se de repente, vc descobriu que ele gosta mesmo é de dar o cu. Se ele roubava dinheiro da sua carteira. Eu não sei. O cafa em questão não era nada disso. Sequer era meu. Conhecíamo-nos há um bom tempo, mas éramos só ‘amigos coloridos’ de internet. Não pretendia ter filhinhos com ele, mas achava que COMIGO, podia ser diferente. Mal sabia eu, que o coração dele saíra congelado de um isopor de cervejas baratas. Mal sabia que aquele roteiro ele já havia ensaiado 9898786 de vezes.

Nosso primeiro encontro na vida real foi numa sala de cinema. Era época do Ciclo Folha de Jornalismo. Rodava um filme sobre jornalismo, ao final, alguém do jornal discutia o tema da película. Ouvimos interessados e passamos quase 3 horas sem trocar nenhuma palavra. Até que a sessão acabou e fomos a um boteco. Pronto. Foi o bastante. Ele era desses caras com quem vc conversa hoooooras na mesa do bar, sobre os 7 assuntos mais interessantes do planeta. Por ele, eu era toda admiração.

No ano anterior minha vó havia falecido e minha mãe se curava de um câncer. Fragilidade em alta. Esperei tudo normalizar até vir morar em SP. Ele se disse orgulhoso pela minha coragem em ‘abandonar uma vida, começar outra do zero’. Disse adorar minha origem. E eu muito prezo homens que me valorizam pela minha origem ou pela minha força, sabe? Ponto fraco. E ponto pra ele.

Então veio o beijo. Deu ódio ver que o beijo dele era o melhor do mundo naquele instante. Ódio mortal. Daí ele disparou: ‘Minha casa ou a sua?’. Estava claro nas entrelinhas: ‘É só sexo, querida. Não se apaixone por mim’. Mas eu estava disposta a comprar briga. E não houve sexo. Porque eu era insegura e me precupava com o que ele ia pensar e mimimi. E ele falava mil segredos de liquidificador no meu ouvido pra tentar me convencer, 9897654 de coisas lindas, que agora eu não lembro mais. Mandava flores de plástico. Jogava pesado. Eu resisti bravamente e ele virou pó. Claro, ainda estava presente na minha vida virtual. Mas daquele dia em diante, recusava TODOS os meus convites pra sair.

Aí desisti. Mas pensava nele as 24598875 horas do dia. Fiquei obcecada em encontrá-lo pela rua. Diria Samuel Rosa, ‘não sei porque nessas esquinas vejo teu olhar...’. Até que resolvi: tinha de matá-lo ou enlouqueceria. Precisava OUVIR que ele não me queria e todas as coisas lindas que me disse eram contos da carochinha. Mulher obcecada tem dessas coisas, colega. A gente se pergunta porque o cara não quer, se somos tão perfeitinhas. Ou o que fulana tem que vc não. Coisas de ego filho da puta de traiçoeiro. Daí a gente precisa de um xeque-mate. Uma espécie de despedida. Eu sou assim: abriu a porta baby, feche-a de volta. Para que eu possa jazer em paz. Não era crime não me querer, crime era não verbalizar isso.

Então cometi a maior loucura do mundo. Coisa que se faz apenas uma vez na vida. Atenção, a seguir, registro de cenas fortes. Os fracos de estômago e fortes de moralismos, podem parar por aqui.

Saí de casa decidida. Pus um vestido preto justo até os joelhos. Escarpin bege, batom vermelho. Estava bonita mesmo, juro pra vc. E fui até a casa dele. Em São Paulo, isso significa uma odisséia. Era noite e eu não sabia o número do apartamento no condomínio, mas descobri. Ele desceu sem saber que eu o esperava. Quando me viu, falou: ‘Você?’. E eu pude ouvir o som alto das minhas batidas cardíacas. Parecia escola de samba. Parecia novela.

Então falei tudo que eu sentia por ele aquele tempo todo. Não disse em claro português ‘estou apaixonadinha por vc’. Mas ele entendeu, com aquela cara de quem estava me achando uma louca por estar ali.

- Preciso que vc me diga que não me deseja. Porque eu preciso queimar essa idealização que eu tenho de vc há muito tempo.
- Não era óbvio? Foi só aquela noite, Flávia.
- Não era, não. Mas eu precisava ouvir.
- Aliás, vc deu sorte de’u estar em casa hoje. Se eu não estivesse, vc ia ficar aqui plantada, esperando?

Levantei para ir embora e me inclinei para dar um beijo nele de despedida. O rapaz virou o rosto. Aí eu percebi que ele não havia entendido nada. Achou que eu estava ali por ele, infantil como ‘Ivo viu a Uva’. Tsc, tsc... Eu estava ali POR MIM. Porque estava sofrendo com aquele auto-flagelo. Paradoxalmente, precisava dele para esquecer dele. Beber de todo o veneno, para morrer de súbito e renascer uma Fênix. Doses cavalares daquele crápula.

Quando cheguei em casa, percebi que ele havia me excluído completamente da vida virtual. No twitter, registrou: ‘Como tem gente louca neste mundo, não?’. Perdeu-se na própria vaidade e viajou que’u ia persegui-lo com uma Pexeira cidade afora. Aí posou de fodão, era fácil chutar cachorro morto, afinal. Coisa de moleque. No fim, eu devo ter virado lenda urbana nas conversas de bar entre os amigos.

O engraçado é que tudo isso ajudou. Sem notícias, foi fácil esquecê-lo. Ele finalmente virou um abajur de sala e eu continuei passional. Passional E sóbria. Continuei sendo daquelas que lambe a tampa do iogurte pra não desperdiçar nenhum resto da manhã.

Mas a vida é irônica. Muito tempo depois, conheci um homem muito parecido com este rapaz. Só que HOMEM. Maduro, sensato. No games, no pain. Achei que estava recebendo uma segunda chance, numa versão melhorada. Para este eu dei meu sexo como se não houvesse outra chance de ser feliz. Quiçá, meus olhares silenciosos, meus suspiros. E não me arrependo. Deste, eu me despediria até o fim dos tempos. Só porque antes de sumir do mapa, ele me disse adeus. Abriu a porta, fechou ele mesmo. Não foi cafajeste, foi um canalha. Um doce canalha. 

Sawyer: O adorável canalha

Então, meninos, às vezes é mais fácil verbalizar um fora, mas não precisa ser escrotinho e achar que vc é a última Coca-Cola do deserto. Meninas são mulheres, mulheres são meninas, mas isso só dura um verão.

Às donzelas, pelo amor de Jesus Cristinho, NÃO FAÇAM isso que eu fiz em casa, ok? Ato impensado, nenhum babaca merece este tipo de loucura. Mas valeu a pena. Como tudo vale, diria Fernando Pessoa, quando a alma não é pequena. E bom, se depois da minha tragédia shakesperiana vc não desejar um cara legal, está configurada aí uma doença crônica, por supuesto.